A moça que comprava bolsas
Saiu do trabalho, andou pela cidade e acabou entrando em uma loja, entrou por que não aguentou só olhar pela vitrine lindas bolsas sem tocá-las. Pegou uma por uma, analisou os compartimentos internos, abriu e fechou todos os zíperes e desabotoou todos os botões.
A vendedora chegou e lhe perguntou: - “Olá posso ajudar? Temos muitas bolsas e todas são de ótima qualidade e pelo que vi, muitas combinam com você”.
A moça sem saber o que falar, simplesmente concordou e disse que também achou que todas as bolsas que ela havia experimentado, eram perfeitas e realmente combinavam com ela, mas infelizmente não levaria nenhuma.
Despediu-se da vendedora, saiu e foi para casa com uma ideia fixa na cabeça, a de comprar mais duas bolsas para aumentar sua coleção que já contava com mais de quarenta, mas pra isso teria que esperar o cartão de crédito virar.
Enquanto o dia da compra não chega, a cor vira dúvida, ela não sabe, mas acha que será uma azul e outra branca.
Não aguentando esperar, ela comenta com alguém sobre sua louca vontade de comprar tais acessórios. O sujeito que ouve atentamente sobre as vontades daquela mulher um vendedor de livros que sem saber o que dizer apenas disse: - “Você é linda”.
Cada um foi para um canto da cidade, mas pelo que parecia, aquele não seria o único encontro da moça das bolsas e do vendedor de livros.
O vendedor de livros
Naquele mesmo dia Jorge saiu de casa muito cedo como de costume, pegou seu ônibus lotado e em pé durante todo o percurso, foi observando o casario acinzentado e os prédios comerciais com pequenas placas acima das portas, cruzou a cidade e finalmente depois de duas horas chegou ao seu destino.
Já na empresa depois de uma caminhada depois do transporte público incomodo, ele passa o seu cartão para registrar sua entrada que está atrasada em dez minutos mesmo tendo ele saído de sua casa quase três horas antes. Pega seu roteiro do dia, entra no carro da empresa e sai, visita todos os clientes, no fim do dia percebe que acabou o serviço mais cedo e nessa hora percebe que poderá passar em uma livraria.
Na livraria ele viaja entre os livros e inicia uma séria analise sobre sua vida. Percebeu que nunca teve muito tempo para ler os livros que sempre quis ler e nunca teve dinheiro para comprar os mesmos, lembrou de quando iniciou sua carreira como vendedor de livros e viu que se enganou ao pensar que em tal emprego teria possibilidade de mudar sua sina por estar no meio da literatura.
Jorge vendia livros didáticos e seu sonho era outro, ele queria a poesia, os romances, os contos e as crônicas da literatura brasileira e também da estrangeira. Nunca conseguiu se dedicar à leitura, mas gostava de escrever e escrevia desde criança.
Na livraria Jorge parecia uma criança perdida em um parque de diversões, não sabia por onde começar, pegava vários livros na mão, lia o prefácio, devolvia na prateleira e pegava outro, andava pelos corredores e quando algum funcionário oferecia ajuda, ele simplesmente agradecia e continuava perdido naquele labirinto de cultura.
Ele ouviu o tic tac do grande relógio de parede e notou que estava na hora de voltar para empresa, devolver o carro e encarar o retorno para casa. Parou em uma cafeteria do shopping, pediu um expresso e como não tinha mesa vaga, se sentou ao lado de uma linda moça com aparência triste.
Pediu licença e sentou já tentando iniciar uma conversa. Ela abriu um sorriso e se apresentou: “Oi me chamo Jana e você?”.
As primeiras impressões
Jana e Jorge se falaram pouco, pois ambos estavam atrasados e cada um seguiu seus caminhos rumo ao fim do dia. Ela foi para casa pensando nas bolsas que não pode comprar e ele nos livros que não vendeu.
Já no ônibus Jorge fez uma analise sobre a moça que conhecera, olhou para o número de telefone que ela lhe passou e quase o decorou, lembrou durante todo o percurso de como ela era bonita e simpática, mas algo ficou marcada em sua cabeça e ele repetia para si mesmo: “Tão bonita, simpática e elegante, mas louca por bolsas”. Logo a primeira impressão que ficou foi a de que ela era uma mulher com desejos tolos e que só pensava em bens materiais.
Jana já em casa lembrou-se de cada passo que deu naquela tarde antes de Jorge sentar-se a sua mesa, lembrou das bolsas, das vendedoras, das pessoas pra lá e pra cá nos corredores do shopping e em meio a todas essas lembranças, viu alguém perdido em meio aos livros, alguém que parecia querer ser socorrido por estar diante de um abismo e como se estivesse fugindo, encontrou abrigo naquele lugar onde tudo cheirava café.
Um viu no outro, qualidades e defeitos. Cada um ao seu modo fez seu próprio julgamento e acabaram por se autocondenarem e a sentença foi o esquecimento por se acharem incapazes de serem importantes uma para o outro.
O telefone de Jana não tocou. Jorge sem querer se distanciou mesmo antes de se aproximar. Semanas se passaram e a fita invisível que naquela tarde uniu por um instante aquelas duas almas, parecia que jamais se transformaria em um laço e tudo por causa do descaso e do preconceito ocasionados pelas primeiras impressões.
O reencontro
Em uma noite de sexta, Jorge saiu de casa sozinho, dirigiu pelas ruas, cruzou bairros e vilarejos, chegou ao seu destino no extremo leste após ver as margens das ruas em que passava, pessoas com aspectos lúgubres e aparentando cansaço após uma semana de trabalho, transito e poluição na cidade que escraviza os seus e os que vieram de longe esperando encontrar em São Paulo um futuro glorioso que quase nunca se mostra, nem para seus filhos legítimos , muito menos para os bastardos.
Seu destino era um bar, aconchegante e simples mais parecido com uma casa, um portão de grade, uma escada estreita e lá em cima um pequeno salão, uma varanda com sofás coberta por um toldo, um palquinho, um balcão, algumas mesas e banquetas e ao fundo uma cozinha onde são preparados caldos e porções.
Nesse dia, no palco um trio tocava forró universitário, mas em outros dias lá também se ouvia reggae, jaz, blues, groove e até poesias em noites de saraus.
Jorge entrou no Oyagiban Bar e logo encontrou alguns amigos, já não estava mais sozinho. Encostou no balcão e pediu uma cerveja e por não saber dançar só ficou ouvindo o som.
Nesse momento em um bairro vizinho, duas amigas inseparáveis se aprontavam para saírem e esquecerem o estresse da semana. Partiram de suas casas com o mesmo destino de Jorge, lá chegaram e encostaram-se ao balcão.
Como obra do destino, no mesmo lugar estavam juntos novamente, o vendedor de livros e a moça que comprava bolsas. Ela olhou para ele e disse: “Você nunca veio aqui né? Você não parece com o pessoal que vem aqui!” Ele respondeu: “Sempre venho aqui, venho sempre nas noites de quintas e até recito algumas poesias que escrevo”.
Os dois conversaram, se conheceram realmente e decidiram se encontrar outras vezes. Jorge viu que a moça não era só uma amante das bolsas, ela também era culta e conhecia mais de literatura do que ele, ouviu Jana falar dos autores que já leu e que quer ler e enquanto ela falava de Charles Bukowski, Dostoievski, William Burroughs, Jack Keroac, Jorge Amado, Machado de Assis, Paulo Leminski entre outros consagrados escritores e poetas do Brasil e do mundo ele percebeu que errou ao pensar tudo que pensou a respeito dela e nesse instante pra ela se entregou e desfez a cara fechada.
Ela o abraçou e viu que Jorge era um homem de valor, viu também que ele tinha uma cara de bravo, mas percebeu que era apenas uma forma de se proteger do mundo que um dia o roubara de sua inocência.
Jana se entregou, mas aos poucos se transformou, nem ela e nem Jorge entenderam o que impediu a construção de um laço entre eles. O tempo passou, brigas sem razões aconteceram e os dois que tentavam ficar juntos se perderam nas curvas da vida.
A moça juntou as bolsas que em toda sua vida comprou, ao vendedor as entregou e disse: “ Não preciso mais disso tudo, aproveite delas o conteúdo e a elas dê o fim que julgar correto”. Se despediu e sumiu no mundo, foi embora para outro estado, hoje mora em Petrolina.
Jorge pegou as bolsas e as abriu, se surpreendeu quando viu em cada uma dez livros e na última uma mensagem de despedida dizendo: “Esses são os mil livros que li antes de te conhecer, nosso caso foi muito breve, mas tenho medo de mim mesmo quando penso no que sinto por você, aceite de coração esse meu pedido de desculpas e me perdoe por ter te forçado a ficar impassível diante do dragão que me tornei”.
Jorge nunca mais viu Jana, mas ainda espera reencontra-la para dizer o quanto ela foi importante para ele e que na verdade ela nunca foi um dragão, muito pelo contrário, ela em sua vida foi inspiração.
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