Acordou cedo como não era de costume, olhou
pela janela de seu quarto e viu que o dia não estava quente, não estava frio,
não estava chovendo e também o tempo não estava tão seco.
Parecia mais um dia normal na grande
metrópole, cheia de prédios, avenidas, viadutos e pessoas correndo sem parar,
cada um vivendo suas vidas de maneiras que acreditavam ser a ideal.
Sal lavou o rosto, ligou o rádio na cozinha,
fez seu café, passou manteiga no pão e comeu, ouviu as mesmas notícias e
músicas de sempre, mas quando estava prestes a mudar a chavinha de liga e
desliga do aparelho sonoro para a posição off,
ouviu uma notícia que para muitos ouvintes foi um verdadeiro choque.
Sal tomou um banho, se arrumou e decidiu ir
naquele dia, que era um sábado, aos mesmos lugares que costumava ir desde
sempre. Desceu até o estacionamento, ligou o carro e partiu. Passou na casa de
familiares, amigos e no meio do caminho buzinou e cumprimentou vários
conhecidos do bairro.
A manhã ia se esvaindo, ao mesmo tempo em que
ele notava pessoas com rostos tristes, com fisionomia demonstrando
apreensão. A hora do almoço passou
enquanto Sal se deliciava com uma boa refeição na padaria de costume, acabou de
comer e enquanto se preparava para ir para outros lugares, notou pessoas que
nunca tinha visto antes por ali, que por consequência da notícia transmitida
pela manhã decidiram ir pra lugares diferentes ao invés de ficar em casa.
Era muita gente falando uns com os outros e alguns
consigo mesmo, falavam que se soubessem que tudo ia acabar naquele dia teriam
feito tudo diferente, como se alimentado melhor, praticado mais atividades físicas, se
relacionado melhor com os familiares, colegas e amigos, viajado mais,
trabalhado com o que gostavam de fazer e não jogariam suas vidas fora por conta
de trabalhos que consomem seus dias e suas noites sem uma folga sequer.
Via-se uma multidão querendo viver tudo o que
tinham pra viver em um único dia, filas se formavam em guichês de rodoviárias e
aeroportos, ônibus todos lotados tentando levar para algum lugar pessoas com a
alma transbordando de vontades e sentimentos.
Sal pegou seu carro e dirigiu tentando chegar
até o bairro que costuma frequentar, mas se viu quase que impedido, pois ficou
horas e horas para vencer os doze quilômetros que separam a Vila Formosa de
Itaquera. As ruas pareciam um verdadeiro estacionamento a céu aberto, milhares
de carros em filas e filas formando o maior congestionamento da história, como
não tinha muito jeito de escapar do trânsito, o melhor que ele fez foi pensar
em sua vida e tudo que já tinha feito nesses trinta e poucos anos, pensou nas várias
viagens, para praia e para o interior, lembrou de suas aventuras em ilhas sem
eletricidade e veio a sua cabeça as lembranças de todas as estradas que passou,
todas as pessoas que conheceu pelos caminhos.
Recordou de tudo que estudou, por que sonhou
com aquilo, e não por que a sociedade impôs, dos amigos que fez na faculdade,
de todos os trabalhos que teve e percebeu que nunca teve muito dinheiro, mas
sempre teve tempo de sobra pra curtir a vida, que pode ter sido simples, mas
muito bem aproveitada.
Lembrou de todos os bares que passou como
cliente, como funcionário, como poeta declamando suas poesias, ou buscando
inspirações para novos textos, de todos os músicos que encontrou na boemia e
veio a sua mente todas as namoradas que arrumou nos bares da vida.
Viu com suas lembranças que tudo que fez,
valeu a pena pelo simples fato de ter sido feito. Notou que a vida podia acabar
com ele ali dentro daquele carro em meio ao tráfego lento, mas ficou feliz e
viu que não precisava se desesperar, pois não havia deixado de fazer nada que
queria ao longo dos anos.
Quando Sal chegou ao seu destino, viu que
muitos que deixaram pra viver a vida que realmente queriam ter vivido, nos
últimos instantes, acabaram vendo seus sonhos ficando pelo caminho, pois não
havia mais tempo pra nada e ali no meio da avenida, desejos profundos e não
realizados foram podados e um último suspiro em meio à poluição foi forçado a
sair.
O tempo se esgotou e o dia derradeiro se
apagou aos poucos, muitos não tiveram tempo de fazer tudo o que queriam e viram
a notícia veiculada pelo rádio se tornar realidade, mas em meio a triste
humanidade que perecia, via alguns sorrisos de alegria, eram poucos, mas
existiam.
Os raros sorrisos pertenciam aos que viveram
a vida que queriam todos os dias que aqui na terra habitaram. Sal não suspirou,
mas sim, sorriu por que viveu.
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